terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Educação sentimental

Quando menina, ouviu que o coleguinha só puxava as suas tranças porque gostava dela.
Adulta, tinha um marido que lhe puxava pelos cabelos para fora da festa. Acreditava ser amada.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Imparcial...

Quem conta um conto
Corta um pont

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Santo anjo do Senhor

Na maior parte do tempo, eu consigo levar. Acordo cedo, cuido das minhas coisas, durmo um sono pesado e sem sonhos. Mas, às vezes, acontece alguma coisa _um insetinho que pousa no meu braço, uma criança que brinca na rua_ e eu sorrio. Imediatamente dói.
Esses são os momentos mais difíceis.
Li numa revista sobre a dor fantasma que assombra os amputados.
Perder um filho foi perder um pedaço de mim. Às vezes aquela alegria antiga faz cócegas e, num movimento involuntário, eu abro os lábios. É quando eu percebo que já não consigo ser feliz.
Com o tempo, perde-se também a capacidade de chorar. Mais que isso _de sentir. Frio, fome, dor. Você come e não sente o gosto. Não sabe mais o que é cheiro.
Num momento de lucidez, ou loucura, não sei, o meu corpo tremeu inteiro de medo _eu não lembrava o que era amar. As memórias vinham vazias: um menino _correndo na praça, vendo TV, sentado em meu colo. Um menino, apenas. E eu oca.
Meu Deus, estou virando um monstro?
Meu filho morrendo dentro de mim, no meu coração. Na minha alma. Tive medo de mim.
Então escureceu e amanheceu e eu, sentada no sofá, vi o desespero ser substituído pelo silêncio _dentro e fora. Aceitei a derrota.
Mas hoje uma borboleta azul entrou na cozinha enquanto eu coava o café e pensei que era ele que me fazia uma visita. Quis sorrir, e uma mão invisível apertou minha garganta.
O que pude fazer foi sentar e olhar.. Olhar... Olhar...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

? ? ?

Escola
Por que os professores têm essa mania terrível de oferecer as respostas para perguntas que ainda não foram feitas?

Trabalho
Por que tantos jornalistas fazem entrevistas nas quais o que parece importar menos é justamente a resposta?

Casa
Onde foi mesmo parar o diálogo?

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Duelo


João passa o dedo na cicatriz ao lado do peito.
"Quase morri", pensa ele.

José passa o dedo na cicatriz ao lado do peito.
"Sobrevivi."

Assim se dividem vencidos e vencedores.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Considerações sobre tempo e espaço



O tempo pode diminuir ou aumentar a distância.
A distância pode dilatar ou comprimir o tempo.
Onde você está?
Quando?
A resposta deveria ser aqui e agora.
Mas nunca é.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

eclipse

Sol a pino, o menino busca refúgio na sombra da mãe.
Mal sabe ele que essa sombra o acompanhará por muitos dias e noites e deixará em sua alma marcas muito mais profundas que as deixadas pelo sol em sua pele.
Menino, ouve: para crescer, é preciso nascer de novo, e de novo, e de novo.
Haverá sangue, haverá choro. Haverá luz.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Herança - 2

- Sabe qual é o seu problema?
- Não, mas acho que você vai me dizer.
- Eu vou dizer qual é o seu problema.
- Pode dizer.
- O seu problema é que você teve tudo na vida muito fácil. Muito fácil. Nunca precisou lutar para ter nada. Recebia tudo ali na mão, prontinho. Conheço esse tipo de gente. Sei muito bem como você é.
- Tô vendo.
- Tem esse arzinho arrogante. Ai, quem é essa louca para me dizer tudo isso, não é? Pois alguém tinha que lhe dizer umas verdades! Tirar você desse pedestalzinho. E eu digo mesmo. Você acha que por acaso eu tenho medo de você? Pois saiba que eu não tenho!
- Que bom.
- Nunca tive medo de seu ninguém. Já enfrentei todo tipo de gente. Minha vida não foi essa moleza não. Não recebi nada de mão beijada. Foi tudo ali suado, na luta. Você não tem idéia do que é isso. Acha que papai e mamãe me mandaram pra Europa? Acha que eu estava nas festinhas da faculdade toda noite? Que eu tinha psicólogo para contar meus probleminhas? Não tive nada disso!
- Que pena.
- Pena? Não precisa ter pena de mim, não. Que graças a Deus eu fui abençoada com muita força. Desde pequena: nasci com um problema de saúde e disseram que eu nem ia sobreviver. Mas eu lutei, lutei, lutei e venci. Minha vida foi toda assim. Encontrei muitos desafios, muita gente falsa. Nunca tive ajuda pra nada. Criei meu filho sozinha, trabalhando e estudando. Mas batalhei e venci.
- Parabéns, então.
- Não quero parabéns nenhum, que eu não sou do tipo que faz as coisas para ter elogio, que nem você. Se eu estou te dizendo isso tudo, é só por uma coisa.
- O quê?
- É para fazer você acordar para a realidade. Para você perceber que essa sua futilidade, essa sua vida boa não levam a lugar nenhum.
- Você quer que eu sofra o mesmo que você sofreu. É isso?
- Eu? Deus que me livre de querer o mal de alguém. De jeito nenhum. Não tenho raiva de você, não. Meu coração está em paz. Tenho é pena, porque toda essa sua felicidade, esse seu sucesso, é artificial. Sabe o que eu queria, do fundo do meu coração? Que você pudesse se transformar numa pessoa melhor.
- Aí eu vou ter de discordar de você...
- O quê?
- O que você queria mesmo, do fundo do seu coração, era poder se transformar em mim.