sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Na ponta dos dedos

Descendo a rua, vasculho o fundo da bolsa à procura das chaves _são todas quase iguais: o mesmo tamanho, o mesmo formato, a mesma cor. Mas meus dedos sempre adivinham qual é a certa e, pronto, eu destravo o portão. Então escolhem outra e, pronto, eu abro a porta do prédio. Por fim, encaixam a terceira na fechadura do meu apartamento e, voilá: home sweet home.
Tento fazer um ar casual, enquanto tiro o casaco e coloco água na chaleira para preparar um chá. Mas a verdade é que isso me espanta: como meus dedos descobrem a chave certa?
Se eu olhar para elas, sou incapaz de dizer qual é qual. Mas, ao longo dos últimos anos, algo em mim aprendeu a diferenciá-las.
Eu sei e eu não sei. Ao mesmo tempo.


* A chaleira apita.

Somos tão acostumados a passar o mundo pelo filtro da razão que assusta mesmo lembrar desse eu que dispensa qualquer discurso racional para existir.
Enquanto sonho/calculo, aceito/evito, busco/desisto e faço mil conjecturas; o sangue corre, as unhas crescem, a ferida cicatriza.
Bem mais eficientes que minha metade-pensante.

O que torna incoerente, para mim, aquela antiga dicotomia: alma versus corpo.
Não consigo associar o mais sublime de mim à razão. Ou à falta de razão.
Enlouqueço, logo existo?
É na minha carne que se manifestam os maiores milagres.
Quando mordo, é minha alma que morde.
Quando beijo, é minha alma que beija.

* O chá queimou minha língua.

Há uma outra porta, fechada há muito tempo _você sabe a que me refiro. Não sei como entrar. Ou sair.
Seja como for, há alguns dias tenho pensado nisso: talvez meu corpo saiba.
Mas "pensar nisso" também é pensar. E enquanto isso, não tenho coragem... você sabe...
Coragem de tocar o invisível.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

PP

Tão baixo e magrelo que tem de comprar roupa na seção infantil. O problema é que o emprego exige o uso de terno.
- Se eu não encontrar a porra da roupa no tamanho, vou perder a vaga. Caraca.
- E é para trabalhar de quê?
- Segurança.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Excesso de rimas e pouco alento

(para Simone)

O momento
é o terceiro elemento
de qualquer
relacionamento

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

)Entre(

Foi numa de nossas despedidas _ele ia morar em Recife. Os amigos fizeram uma festa e, a certa altura da noite, nós nos afastamos para um canto tranquilo nos fundos da casa.
Não importa o que falamos ou fizemos _clichês e um abraço, se tanto. O que ficou foi aquele lapso de poucos segundos, em que apenas nos olhamos em silêncio.
Quando voltamos, éramos um. E estávamos preparados para o adeus.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

"Let's go to bed"


Ele sempre acordava antes e ia embora sem que ela percebesse.

Encontravam-se depois por acaso _difícil saber o que dizer nessas horas. Se as condições favorecessem, e ela bebesse um pouco, e ele também bebesse um pouco, saiam da festa, entravam no carro e iam para o apartamento dela.

O quarto-e-sala não oferecia muito: o armário, duas cadeiras e um velho sofá-cama. Era constrangedor montar tudo e arrumar as almofadas e estender um lençol para enfim se deitarem _certa vez, ela comentou que pretendia comprar uma cama de verdade; ele disse que não se importava.

Das paredes, pendiam cartazes de filmes e um ou outro pôster de banda _ele já sabia de cor: Pulp Fiction, Breakfast on Pluto, The Cure. Os olhos pintados de Robert Smith sempre pareciam lhe encarar enquanto ele fumava o último cigarro da noite (ou o primeiro do dia): "I won't say it if you don't say it first".

Mas naquela manhã, ela acordou mais cedo.

Inclinado na janela, ele soltava suas últimas baforadas em direção às nuvens.

Há tanto tempo ela queria algo assim _bom dia/café da manhã/jornal a dois_ que até sentiu medo. Por via das dúvidas, fechou os olhos e fingiu continuar dormindo.

De esguelha, viu ele se afastar da janela, vestir o jeans e a camiseta e, com todo o cuidado, recolher o vestido que ela, no calor dos acontecimentos, havia jogado no chão. Sim: ele buscou o resto de perfume na peça e beijou o tecido, antes de guardar o vestido no armário.

Pé ante pé, segurando os tênis pelos cadarços, ele partiu novamente.

Ela continuou de olhos fechados, com um sorriso nos lábios.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

entendi

Para amar
é preciso mais
que amor