domingo, 11 de novembro de 2007

Virar mocinha

A menina chega à cozinha, olhos arregalados, e chama a empregada com um fio de voz.
- Que aconteceu, menina?, pergunta a moça mulata, já largando o bombril de arear panela.
A menina mostra a mancha de sangue na calcinha.
A empregada ri, aliviada: ninguém quebrou o braço, ninguém quebrou a televisão, então ninguém vai ser demitido _o pagode de sábado está garantido. Ela limpa as mãos no avental e chama a menina para si.
- Venha cá para eu te dar os parabéns.
- Por quê?
- Ah por que! Porque você virou mocinha. Você sabe o que é menstruação?
- Claro que sei.
- Então. Você menstruou.
A menina permanece inconformada.
- Mas a minha barriga tá doendo muito.
- É cólica.
- Mas tá doendo muito mesmo.
- Então vamos ligar pra sua mãe.
A mãe atende, explica que isso é normal, que agora ela virou uma mocinha, e pede para falar com a empregada.
- Na segunda gaveta do armário tem um pacote de Modess. Você mostra pra ela como é que coloca?
- Faço isso sim senhora.
A menina continua reclamando da dor na barriga. A mulata liga novamente pra patroa.
- Dona Alice, posso dar um Buscopan pra menina?
- Buscopan é forte demais. Faz um chazinho pra ela.
- Já dei chá de camomila e não adiantou.
- Então faz uma compressa de água quente.
A empregada esquenta a água na chaleira, enquanto pensa lá com seus botões que é mesmo um transtorno ser mulher. É cólica, é depilação, é água oxigenada pinicando no corpo para deixar os pêlos loirinhos. Quando tiver filho, se Deus quiser, vai ser tudo homem. E geme só de pensar na dor do parto.
No quarto enfeitado com bailarinas e pôneis, a menina transpira. O termômetro acusa 39ºC. A mulata liga de novo pra patroa.
- A dona Alice está em reunião.
- Mas é que a filha dela está com muita cólica.
- Um instante, por favor.
Ela espera.
- A dona Alice falou que está ocupada agora e que é pra dar um Buscopan pra menina.
A mulata se inquieta: vai que ela dá Buscopan e a menina tem uma alergia, algo assim _de quem é a culpa? E a coitada não pára de sangrar: já sujou os shorts, os lençóis, o colchão. E o rostinho, de uma hora para a outra, parece ainda mais branco. Como são fracos esses bichinhos criados em apartamento. Ela olha o termômetro: 40ºC.
Lá vai a mulata pro hospital, com a menina no banco de trás, reclamando da dor na barriga. O dinheiro da feira ela pede depois pra dona Alice. O motorista só não quer que sujem seu carro.
- Tem perigo não, moço. É só que ela tá virando mocinha.
Mulher é fogo, ele resmunga.
Na sala de espera, a mulata folheia uma revista antiga de olho no celular, que não toca. Dona Alice ainda em reunião. E se ligar, o que ela vai dizer? Todo aquele escândalo por causa de uma cólica?
Vem o doutor: a senhora é parente da menina?
Sou sim senhor.
O médico a observa atentamente.
É que eu sou do lado mais moreninho. Essa aí puxou o avô, que era inglês.
Ele dispara: A menina teve um aborto.
O celular toca.