quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Prognóstico

A cura não nos devolve ao mundo dos sãos tal como antes.
Não recupera quem fomos.
A cura _ou melhor, a doença_ nos transforma em pessoas melhores.

Tentativa nº 10.783



Apenas quem arriscou tudo tem a possibilidade de conseguir alguma coisa.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Nostalgia


Minha infância foi ritmada
A colheradas de amargura

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Outra fome

Não que faltasse comida: arroz, feijão, mandioca, carne, quiabo... Isso não. Nunca.
O que faltava a nossa gulodice infantil era o deleite. O caramelo, a bala de goma, o sorvete derretendo na boca e todas as cremosidades que só chegavam até nós pela televisão.
Doce, lá em casa, era canjica. E bolo, quando um de nós fazia ano. Mãe batia as claras de ovo com o garfo, até chegar no ponto de neve. Botava a massa no forno e derretia goiabada cascão num tanto d'água para fazer a cobertura, decorada, depois, com pitadas de coco ralado.
A gente não arredava o pé da cozinha, farejando o ar e lambendo os beiços. Ocorre, porém, que aquele cheiro que nos envolvia nunca se concretizava no bolo imaginado. O que chegava à mesa era uma massa pesada, escura nas bordas e melada por cima. Ainda assim, disputada a tapas pelo batalhão de crianças.
A esperança era passar as férias na casa do tio, na cidade. Cada ano ele escolhia um menino _nunca soube se por nota, por idade ou por bom comportamento. O sortudo voltava até mais gordo, com mil casos para contar de tudo o que havia comido. De manhã tinha bolo. Tinha iogurte. Tinha abacatada. No almoço, pudim. À tarde, pão com doce de leite. Os primos tomavam leite com chocolate antes de dormir. Dava até medo de ir tomar banho e perder alguma coisa.
A gente arregalava os olhos. Invejosos até o talo, mas também saciados e agradecidos pela descrição do banquete. Aquelas conversas nos alimentavam por noites a fio.
Quando fiz dez anos, fui eu o escolhido para visitar o tio. Os meninos se reuniram para me aconselhar. "Pede para ir no parque", disse um, que estalava a língua para falar de algodão-doce. "Tem que ir fazer compras com a tia", sugeriu outro.
A mãe, entre todas as recomendações, ressaltou uma: "Não vai me fazer passar vergonha comendo feito um esfomeado". Entregou até um lanche, que deixei no próprio ônibus. Era preciso pensar no futuro.
Cheguei à casa do tio no fim do dia, com a barriga roncando. Mandaram brincar com os primos, ver televisão. Mas eu só conseguia prestar atenção nos barulhos que vinham da cozinha.
Foi a tia chamar pra jantar que eu já estava na mesa. Mordisquei o pão, beberiquei o café-com-leite e me preparei para a comunhão divina.
A visão. Eu nem saberia descrever aquilo tudo para os outros meninos. Era um doce rosa, coberto por um creme branco, com pedacinhos disso e daquilo e uma calda transbordando por todos os lados. Dava até pena de comer, tão bonito que era.
Recolhi tudo o que pude com a colher e enchi a boca, em êxtase.
Mas o doce não tinha gosto de nada.
Aquilo entalou na garganta.
Com muito esforço, engoli a massa esponjosa.
Olhei ao redor assustado, em busca de uma explicação que não existia. E chorei.