terça-feira, 10 de abril de 2007

A gema

O menino veio correndo lá do quintal, com a mão direita fechada.
- Pai, olha o que eu achei! _gritou quase sem fôlego, e afrouxando os dedos, deixou ver a pedra ovalada, branca e suavemente lisa que havia encontrado ao cavar um buraco perto da árvore _É um ovo de dinossauro!, explicou.
O irmão caiu na risada.
- Que idiota! Isso é só uma pedra!
- É um ovo!
- Ai, pai, como ele é trouxa, né?, disse o mais velho, para deixar bem claro que era bem mais esperto (embora também estivesse surpreso com aquela pedra tão leitosa).
O pai pegou a pedra com cuidado. Observou. Cheirou. Sacudiu com cuidado perto do ouvido. Passou de uma mão à outra, avaliando bem o peso, enquanto prolongava a ansiedade dos meninos.
- Bem, não posso afirmar com certeza... Talvez seja só uma pedra, mas... (piscou cúmplice para o filho mais velho) talvez seja mesmo um ovo de dinossauro.
O caçula arregalou os olhos, tomando o quanto antes para si aquela preciosidade. Protegeu o ovo com ambas as mãos, para escondê-lo da cobiça do irmão. Sobrou só uma frestinha entre os dedos, pela qual ele previa seu futuro animal de estimação. Muito, mas muito melhor que um cachorro.
- Eu vou chocar ele!, avisou, para a festa do menino mais velho, que não segurou a gargalhada. "Vou sim", assegurou o caçula, que havia prestado muita atenção na aula sobre galinhas, ovos e pintinhos. Mas sentiu que o pai também queria rir e, consideravelmente ofendido, foi se aboletar sozinho perto do portão.
O irmão ainda soltou algumas piadas, mas logo voltou aos seus brinquedos e o pai, ao jornal. Protegido, o menino passou a pedra de uma mão à outra, sentindo bem o peso. Aspirou o cheiro de terra com as narinas bem dilatadas e, suavemente, balançou-a perto do ouvido. Podia jurar ter ouvido um barulhinho lá dentro. Não havia dúvidas: era um ovo.
Levantou o braço, enfiou a pedra pela manga da camisa e a acomodou na axila direita. Com a mão esquerda, puxou o cotovelo na direção das costelas. Assim, manteria o dinossauro bem aquecido. E como existiam muitos tipos de dinossauros, o menino se dedicou a pensar como seria o seu. Do tipo que voa? Com chifres? Alto como um prédio, com a cabeça perdida no meio das nuvens?
Isso trazia para o menino uma série de questões práticas que precisavam ser resolvidas o quanto antes. O que ele iria comer, por exemplo? E onde iria dormir? Precisava tomar banho?
Era preciso saber tudo isso para convencer a mãe daquele direito adquirido. Ela já havia avisado: nada de animal de estimação por enquanto _a casa toda bem limpa para a irmãzinha que vai chegar.
Veja bem, mamãe, pensava ele: a irmãzinha não vai ficar espirrando, porque dinossauro não tem pêlo. E eu ainda posso treinar para que ele tome conta dela. Noite e dia com ela, para proteger o tempo todo. Não, ela não teria como recusar uma oferta dessas...
Passou a pedra de uma axila à outra _a direita já estava doendo. Encostou as costas no muro e esticou as pernas. O irmão continuava brincando e o pai, lendo o jornal. Recostado à sombra, o menino quase adormeceu, mas o telefone tocou e o pai se levantou para atender e o irmão mais velho farejou no ar alguma novidade.
A irmãzinha chegando?
Os meninos se entreolharam.
Sorriram.
O pai surgiu afobado e vermelho, e, antes mesmo que o menino pudesse se levantar, já estava caindo do colo paterno para dentro carro _a pedra escorregou camisa adentro. Num arranco, abandonaram o quintal e ganharam a avenida. Assim que conseguiu se ajeitar no banco, o menino puxou a blusa para fora da bermuda e resgatou seu ovo de dinossauro. Estava intacto. Sorriu.
É a irmãzinha?
O pai dirigia calado.
Olhou ansioso para o irmão mais velho.
Ela chegou?
O irmão desviou o olhar.
Ela chegou?
Ninguém respondeu.
Entendeu depois: a irmãzinha, ela própria, era feita de puro silêncio. E o menino testemunhou com os próprios olhos o momento em que o ovo de dinossauro, renegando a si mesmo, transformou-se numa simples pedra.
Fria.
Inerte.
Por via das dúvidas, enterrou-a perto das flores. Para proteção.

4 comentários:

Mariana disse...

Adorei! Lirismo puro...

Ilis disse...

Nossa, Mari, fico tão feliz que tu tenha gostado.
Beijo

Simone Iwasso disse...

vc já sabe o que eu achei desse... me lembro de tê-lo comentando. Beijo!

Simone Iwasso disse...

tinha certeza que tinha comentando aquele email com a segunda versão. sim, achei que você conseguiu agora resolver muito melhor o fim, ganhou força e intensidade. eu adorei!