terça-feira, 27 de maio de 2008

de aquário


A blusa nova, a maquiagem amadora, a sandália emprestada _e um pouco larga. Tudo que traduzia a esperança vivida horas antes, enquanto cruzava a cidade de táxi, atenta aos letreiros de néon. E agora pondera que esperança é, afinal, uma palavra meio forte para definir o que sentia porque se tratava apenas de uma festa _não algo nobre como a paz mundial e o fim da fome e da pobreza. Era só uma festa. Talvez seja esse o problema: essa overdose de expectativas que ela injeta na veia sempre que pode e o delírio: é hoje! O fim. O início. Tudo. O clímax.

Dane-se, a definição é essa: uma onda elétrica e alucinógena de Esperança.

Depois, a ressaca.

E ela se pergunta como foi parar ali, num apartamento estranho, entre tantos desconhecidos, segurando uma latinha de cerveja quente.

Tentou puxar assunto com duas ou três pessoas, mas a conversa não fluiu _por fim, o tal jornalista metido a escritor que até parecia interessante disse que ia na cozinha buscar uma cerveja e não voltou. Ela ficou esperando, sentada no sofá, ao lado de um casal que se agarrava despudoradamente.

Lavou o rosto na pia do banheiro. A água gelada. Encarou o espelho. Folheou uma revista que alguém tinha deixado por ali. Mas logo alguém bateu à porta e a expulsou do exílio.

De volta à sala, viu que o seu canto do sofá já havia sido ocupado.

Sim, é verdade que desde o primeiro dia no jardim-de-infância todo ser humano conhece o significado do isolamento e da rejeição, mas ela prefere pensar que ninguém, nunca, cumpriu uma sina tão solitária _o que lhe traz a satisfação ilusória de ter uma alma trágica e especial; um contraponto mais do que justo àquele corpo invisível na multidão.

A certeza de não estar sendo vista ao menos lhe dá a coragem para um último ato: diante do som, ela vasculha os cds alheios, espalhados pela mesa, e sorri, porque a vida tem desses mistérios _lá está seu velho comparsa, então jovem e azul e etéreo.

Ela olha ao redor; prestes a inundar a sala com o som de seu silêncio. Imersos, talvez eles flutuem dentro dela por um instante. E nesse instante, quem sabe... Seja possível um encontro.
Aumenta o volume. Aperta o play.
E desce pelas escadas.


6 comentários:

Simone Iwasso disse...

vc sempre surpreendente; mágica.

reli quatro vezes o último parágrafo. lindo...

Ilis disse...

sissi, muito obrigada... como o tempo passava e ninguém comentava, confesso que achei que o povo não tinha gostado desse post (idéia que demonstra a minha incapacidade de imaginar que _bate na madeira!_ meu blog esteja às moscas e ninguém tenha comentado porque ninguém leu!).
;)
bj

Agatha disse...

Demorei, mas li =)

E como vc pode me conhecer tão profundamente e descrever minha vida assim? Eu já fui essa moça da história várias e várias vezes, ainda sou de vez em quando... Mas me ver aqui em causa espanto. A Mágica Amarilis!

Ilis disse...

:)
separadas no nascimento?
bjs

Rackel disse...

Nossa... sensibilidade a flor da pele aqui, heim!
Confesso q estava precisando ler isso...

Ilis disse...

Eu gosto muito dessa expressão, "à flor da pele".
Façamos a travessia do inverno à primavera dos sentimentos.