terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O Retrato de Dorian Gray

Estavam de férias em Foz. Primeira viagem juntos. No caso dela, a primeira viagem de avião. Em êxtase.
"Tira uma foto minha!", pede, se colocando diante das cataratas e abrindo um sorriso de uma orelha à outra. Ele se posiciona e aponta a lente da Nikon comprada no Paraguai.
"Aí não dá", avisa. "Você está na contraluz. Vai mais para lá."
Ela se afasta uns dois passos para a direita.
"Vai mais, vai mais. Aí. Fica parada aí."
"Aqui? Tem certeza que vai dar para pegar as cataratas daqui?"
"Você quer que pegue as cataratas?"
"Claro que sim."
Ele suspira, contrariado. Avalia as condições do entorno e conclui que, do alto do banco, talvez alcance o ângulo correto. Devidamente encarapitado, volta a enquadrar a moça pelo visor.
"Assim não dá. Você está fazendo careta."
"Mas, amor, o sol está vindo bem nos meus olhos."
Ele desce. Entrega a ela os próprios óculos Ray-ban e volta a subir no banco. Posiciona a máquina diante do rosto, ajusta o zoom, suspira e volta a descer.
"E essa sacola? Coisa de pobre tirar foto com sacola na mão. Dá isso aqui."
Volta para o posto, apruma-se. Ela ajeita os óculos, que insistem em escorregar pelo nariz, e se prepara para o flash.
"Que pose é essa?"
"Tô encolhendo a barriga."
"Você tá posando. Faz uma coisa mais espontânea. Mais natural."
"Como assim? Desse jeito?"
"Não. Você consegue ser elegante? Finge que eu não estou aqui, olha ali para a catarata."
"Mas aí eu vou ficar de costas."
"Então olha de lado, porra!"
Ela se encolheu assustada. Virou para o lado, ensaiou um sorriso e a foto, enfim, foi tirada.
O registro exato do começo do fim.
Ele respira fundo. E rasga a velha foto em mil pedaços.

8 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Ílis, adorei o post. Beijoca.

Anônimo disse...

um post na medida, exato. essa ilis...

Anônimo disse...

Texto da Mariana (marianamiranda.wordpress.com). Achei que vc ia curtir:


LISBOA

Ele tinha momentos eventuais de silêncio que tornavam sua conversa um prazer. Não que sua atenção se perdesse num ponto qualquer ou ensimesmasse em introspecção – não era um homem de fugas. Quando falava sobre determinado assunto, desmanchava-se em adjetivos até não lhe sobrar nenhum, para, então, deixar-se estar reticente, como se o discurso continuasse em cavalgada própria, sem as suas palavras.
- As casas de Lisboa são sabiamente firmes, de uma engenharia robusta, altiva, arrojada… – silenciava fixo nela, libertando o subtexto para prosseguir mudo, paralelo, infinito. Como se seus olhos, então, pudessem guiá-la pelas muralhas seculares da cidade, pelas escadarias sinuosas esmaltadas com óleo de baleia, pelas ruas místicas e ruidosas ou por tantos outros pormenores que não seriam compreendidos pela cognição. Até onde iriam? Não há centímetro no mundo que não seja interessante – concluía.
Ele que, por ironia, nunca havia saído da terra onde nasceu, oferecia a ela o que não possuía: as lembranças de suas viagens futuras que, de fato, talvez nunca chegassem a atravessar a rua. Sem saber, entregava o mapa de um tesouro difícil, uma beleza que ela não reconheceria em lugar nenhum. Mas o roteiro já estava traçado. E ela cruzaria trópicos, continentes e oceanos, percorreria ilhas, campos e metrópoles, mas lugar nenhum lhe bastaria e ela sabia disso. Por que ouvi-lo falar de Paris era melhor do que Paris. Por que o mundo ainda era mais belo pelos olhos dele.

Ilis disse...

Bruno, até que enfim uma visita tua! Volte!
:)
Dé, danada é tu.

Cacau, realmente gostei desse texto. A Mariana escreve muito bem.
:)
Não sei se tu teve a mesma impressão que eu, mas acho que esses dois textos dialogam...
Aí está o casal, a viagem... Mas outra forma de se relacionar com o outro. A forma que ela cita é bem mais bonita do que a do meu moço fotógrafo, tão ranzinza em sua busca por um ângulo perfeito que não existe. Nem em Foz nem em Paris.
Vamos ver o que a Mariana acha disso.
:)
Beijoca e obrigada pelo texto.

Agatha disse...

Olá Ílis! Claro que eu lembro de vc, sempre fui sua fã! É bom voltar ao seu blog =)

adorei o texto! Muito bom mesmo!

bjo pra vc!

Rê Piza disse...

Nooossa, déjà vu total!! Descrição certeira...adorei!
:)

Rackel disse...

'O começo do fim'... o fim sempre tem um começo, não é?! Será que dá pra evitar, ou adiar um pouco?!

¬¬

bj

Ilis disse...

boa pergunta, Rackel...