terça-feira, 31 de julho de 2007

Cartão-postal

O penteado havia ficado horrível, era preciso reconhecer. Volumoso acima das orelhas, visivelmente torto atrás. E havia custado 50 reais!
Cin-qüen-ta reais!, ela repetiu indignada.
Você devia reclamar, sugeriu a amiga.
Não era do seu feitio: uma pessoa tranquila, compreensiva, discreta... Era mais do deixa pra lá, esquece isso, bola pra frente. Mas veja bem: o corte realmente havia ficado horrível, um golpe na auto-estima de qualquer um. Ainda mais na de uma mulher à beira da menopausa. E por 50 reais! Resolveu sim exigir seu direito: ou davam um jeito naquele cabelo ou davam o dinheiro de volta. Armou-se de coragem, pegou a bolsa e foi.
Mas, ao abrir a porta do estabelecimento, encontrou, desconcertada, uma videolocadora.
A funcionária, com sua adolescente má-vontade, mal disse bom-dia. Um cartaz anunciava uma comédia qualquer. Na tv, cenas de um drama familiar.
- Aqui não é um salão de beleza?
A jovenzinha riu, olhando ao redor.
- Quero dizer: aqui não era um salão de beleza? Até a semana passada? Essa loja é nova?
- A gente já está aqui há três anos, senhora.
Os filhos que quase morreram de rir com essa história. Tinham agora mais um motivo para chamar a mãe de gagá e velha louca.

Com o tempo, ela mesma aprendeu a rir a cada vez que os filhos contavam o episódio para alguém. Meio desconfortável, mas ria.
Até que veio o dia da lanchonete.
Passou tão mal que precisou tomar soro, achou que ia morrer. Não tinha dúvidas: o único alimento suspeito havia sido a torta de camarão com catupiry, na véspera. Sentiu um gostinho estranho, mas preferiu não reclamar. A enfermeira pensava diferente: se fosse com ela, chamava o gerente e acionava a vigilância sanitária. Era uma questão de saúde pública.
Imbuída de um vago sentimento de responsabilidade social, ela voltou à lanchonete.
No local, porém, funcionava pet shop.
Envergonhada, não contou para ninguém.
E, menos de uma semana depois, ela se viu diante de uma agência lotérica, sacola na mão, disposta trocar uma blusa com defeito. Procurou a tal loja por toda a rua, e pelas ruas vizinhas, e pelas quadras seguintes, até jogar a blusa no lixo e chutar o cesto e gritar com o motoboy que observava a cena.
O marido, que nunca havia visto a mulher irritada, mal reconheceu aquela ruiva descabelada que entrou quase derrubando a porta. Quando ouviu a saga atrás da loja fantasma, não conteve a risada. E ela saiu batendo a porta atrás de si.
Era sempre assim, a boba da corte. Boazinha demais, não queria reprimir ninguém, deu no que deu. Quando o marido foi demitido e teve um caso, o que ela fez? Entendeu! E quando o caçula pegou o carro escondido e bateu, o que ela fez? Entendeu! Agora, quando ela realmente precisava de apoio _podia estar louca! ou com Alzheimer!_ o que eles faziam? Riam! Que família é essa? Não é possível. Ela viveu muito tempo quieta, sem reclamar de nada. Agora ela ia falar tudo que estava engasgado na garganta.
Ah, se ia!
Mas, ao voltar para casa, encontrou diante de si apenas um terreno baldio.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bonito. E muito triste... Sempre vale a pena ler o que tu escreve, dona moça!

Ilis disse...

Obrigada, Déboreide.
:)
Idem.