segunda-feira, 21 de maio de 2007

a esfinge




Ela pede chope. Ele, um suco.
Ri, debochada: Suco?
Estou tentando parar de beber, ele diz.
Ah... Ela arruma o decote. Parei de fumar há alguns meses. Oito meses e meio, especificamente. É dose, você não acha?
É dose, concorda o rapaz, rosto magro e olhos escuros. Do cavanhaque ela não gosta. O cabelo é bonito. Mas não sabe se vestir muito bem.

Agora não posso sentir nem cheiro de cigarro. Tenho horror. Mas às vezes sonho que estou fumando. Ontem mesmo, passei a noite inteira sonhando com baforadas de cigarro. Será que todo mundo passa por isso?
Ele sorri.
Quer que eu cancele o chope? Posso pedir outra coisa. Você não fica incomodado?
Ele responde que não. O chope chega, a espuma transborda da caneca gelada. Gentil, ela puxa o chope pra si e empurra o suco em direção a ele: a nós!
Ele desvia o olhar.
A música é ruim mas isso não interessa. Nem o aspecto encardido do piso. Ela percorre os olhos pelo bar, procurando conhecidos. Todos parecem fumar.

Por que você parou de beber?
Longa história...
Bom, temos a noite toda, não é?
Ele a encara. Não queria beber até morrer, como meu pai, nem beber até matar, como meu irmão.
Mas ela já é vivida demais para se abalar respostas do tipo. Toma um gole de chope, lambe a espuma dos lábios e sorri para o moço magro.
Só isso?
Só.
Não é uma história tão longa assim, sabia? Ela ajeita o decote. O que aconteceu com o seu irmão?
Está preso.
Mesmo? Onde?
Carandiru...
Jura? Nossa, tenho um tio que trabalha lá. É agente. Agente Sampaio. Será que ele conhece?
Ele observa o cubo de gelo derreter dentro do copo.
Se quiser, posso falar com meu tio. Quem sabe ele não dá uma ajuda para o seu irmão? Uns maços de cigarro, talvez? Dizem que cigarro, lá, vale ouro. Qual o nome do seu irmão?
Ele sussurra um nome inaudível. Mas dispensa a ajuda. Ela suspira. Você é que sabe.

O pequeno iceberg naufraga no mar alaranjado. Ele enfim chupa o suco com o canudo. Está azedo. Não há açucareiro na mesa. Apenas um paliteiro e um cinzeiro de vidro.

Ela termina o chope de um só gole e apóia o queixo na mão. O cabelo dele é bonito. E a roupa nem é tão feia assim. Mas é outra coisa, uma coisa muito sutil, que ela não consegue ver direito nele, por mais que tente. Resolve arriscar.

E se você não conseguir parar de beber?
Dentro dele, a vontade cada vez maior de sair dali. Mas ela segura sua mão.
Se você aceitar esse destino e encher a cara mesmo. Sem dó... Que caminho você iria seguir? O do seu pai ou o do seu irmão?
Ele sente um arrepio na nuca, como se o pai lhe soprasse um segredo. À sua frente, o irmão lhe lança os olhos avermelhados. Era matar ou morrer.
Eu escolheria a solução mais covarde.

Ela solta a mão fria do rapaz. Na mesa ao lado, amigos brindam o fim de mais uma semana.

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