segunda-feira, 23 de abril de 2007

Notas de saída, de coração e de fundo

Era uma mulher feia e quieta, incapaz de inspirar desejo em qualquer homem, mesmo no marido.
Apenas o filho parecia ser atingido pelas faíscas que seus olhos emitiam, um grito criptografado de fêmea aprisionada.
Dedicou a vida a procurar uma mulher como aquela, dona da mesma beleza ao avesso. E quando a mãe morreu, no fundo do açude, ele se viu sozinho. Ainda era solteiro e, em segredo, virgem.
Encontrou no luto a chance de falar com o pai de homem para homem. Queria saber como encontrar a mulher certa. Quem disse que eu encontrei?, respondeu o velho _e aproveitou o ensejo para avisar que a Odete agora iria morar com eles.
Odete jovem, castanha, manhosa.
Ferido, o rapaz foi embora. Na mala, pouca coisa dele e quase tudo que havia pertencido à mãe (incluindo o perfume tão antigo e quase nunca usado (essa genética tendência à espera inútil por um momento extraordinário) cujo aroma ele lembrava tão bem).

Costumava acordar banhado em suor, o coração aos pulos: o sonho sempre acabava antes que ele pudesse salvá-la.
Era preciso amar urgentemente e ele juntou dinheiro e coragem para vencer a castidade. Inútil.
Na primeira noite, fugiu. Na segunda, caiu bêbado. Na terceira, a moça mostrou a gilete e roubou suas economias.
Por fim, uma das meninas teve pena e o acolheu de graça.
Depois veio a moça da igreja, que fazia barulho, e Angelina, que amava calada.
A cada mulher que conhecia, assustava-se. Os braços abertos num disfarce óbvio da alma fechada, que a muito custo ele tentava espiar pelo buraco do umbigo. Vislumbrou um emaranhado de sentimentos ingênuos, pequenas mentiras, aflições domésticas. Mas ela nunca estava lá. Nem ele.

A única vez em que o filho voltou a ser atingido pelas faíscas, já era homem feito, funcionário público concursado, com uma casa simples, mas sua, e carro movido a álcool na garagem.
Tinha também uma namorada morena, sacoleira, que, por ironia do destino, chamava-se Odete.
Era segunda-feira e ele se via desprevenido, o pensamento pulando do futebol à padaria enquanto fazia a barba, quando seus olhos reencontraram no espelho aquele mesmo olhar, tão manso, tão quieto. E tanto, tanto desespero preso no fundo da pupila.
Descobriu que a solidão era hereditária.
Quis chorar, mas não conseguiu: tinha medo de afundar no açude.

Um comentário:

Simone Iwasso disse...

ai, ai, ai, posso mudar de opinião e dizer que é esse, de longe, o meu preferido? nega, to realmente impressionada com esse.