quarta-feira, 21 de março de 2007

Guanabara, mon amour

Então era aquilo, a gente sentado, a cerveja quente no copo, uma música chiada na caixa de som. Ele cantaralou baixinho, olhando para os restos de batata frita na travessa. "O antropólogo Claude Levy-Strauss detestou a Baía de Guanabara... Pareceu-lhe uma boca banguela..."
E eu, nem sei por que, disse que achava Caetano uma porcaria.
Na verdade, se alguém me perguntasse naquele momento, eu diria que tudo era uma porcaria: a cerveja, a batata frita, o mundo. Nós dois, principalmente. Nossa vida _uma porcaria. (Lembrei tarde demais do LP que foi o primeiro presente que ele me deu. Era do Caetano.)
Mas ele não pareceu ofendido e cantou mais um pouco.
"O amor é cego. Ray Charles é cego. Stevie Wonder é cego. E o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem..."
Então olhou para mim: "Pensei que você gostasse dele".
"Eu gostava." Assim como gostei de você, um dia. Amei. Será que foi isso mesmo? Sim. Eu te amei. Não foi o único nem o primeiro. Cláudio, o nome do primeiro. Moreno e baixo. Por onde andará? Mas talvez você seja o último. O último amor da minha vida e isso me enche de medo do depois.
Ele pegou mais uma batatinha na travessa. Eu também. Estava murcha, fria e sem sal. Engoli. A contragosto, mas engoli. Cansei de ser aquela que reclama de tudo. Da batata, dos discos, da vida.
E amanhã? Eu arrependida, dizendo que eu deveria ter tentado mais. Que eu deveria ter sido mais precavida e pensado no futuro e sido uma boa mulher. Animada. Ótima! Mas eu fui tão honesta _esse erro recorrente de querer demais, de não ser feliz com pouco. Caetano falando devagar para mim: a Bahia é linda, a Guanabara é linda, o mundo é lindo. Mas você, meu bem, é um tédio sem fim.
Nada disso.
"Um brinde a nós dois!"
"Deixa isso aí, já esquentou", ele disse.
"Imagina, está ótima. Ótima! Cerveja é bom de todo jeito, não é?"
"Peço mais uma?"
Céus, como eu queria ir embora daquele lugar e me trancar no quarto e chorar até de manhã.
"Opa, pede sim!" Sorri novamente, mostrando todos os dentes possíveis.
Ele me olhou com curiosidade.
"O que aconteceu?"
"Como assim?"
"Você... Diferente de uma hora pra outra."
"Diferente como? Amigo, faz um favor: traz mais uma. Geladinha."
"Sei lá. Parecia chateada e agora..."
"Deixa disso, meu amor. Chateada, eu? Num domingão, com esse sol? Com uma cervejinha? Com essa batatinha? Come mais uma!" Assim a gente ganha mais alguns minutos de abençoado silêncio, mastigando, mastigando, mastigando. Mastigando. Mastigando. Aquilo já era uma papa na minha boca.
Engoli.
A vida, meu amor, é uma boca banguela engolindo tudo o que aparece pela frente. O carro, a estrada, nós dois. Então numa curva a gente percebe esse fastio, o peso no estômago. Essa vontade de abrir a janela e vomitar até virar do avesso.
"Vou no banheiro."
Diante da pia, uma mulher loira chorava. Tive vontade de empurrá-la contra o espelho. Tá achando a vida ruim, princesa? Bem vinda ao clube! Agora aprenda a ser elegante: me tranquei no meu cubículo e lá sim, deixei a dor vir à tona.
Ninguém viu, ninguém soube. Nem eu mesma, meu bem, ao me olhar no espelho, serei capaz de dizer se chorei ou não.

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