quarta-feira, 21 de março de 2007

Coletânea

_Talvez você encontre tempo, um dia, para ler.
Nunca encontrei.
Joguei o manuscrito dentro de alguma gaveta e lá ele ficou, aos poucos sendo soterrado por outros e outros. A quem insistia pela minha opinião, eu dizia, com ar cansado: "achei bom, muito bom". Era animador o suficiente para eu não me sentir culpada, e desanimador o bastante para que não me trouxessem mais nada. Mas continuavam trazendo.
E é verdade que eu continuava acreditando que um dia encontraria tempo _e coragem, e paciência, e estômago_ para ler tudo aquilo. Mas naquele tempo eu andava mesmo com outras coisas na cabeça.
Gastava as manhãs na varanda, ao lado da gaiola cheia de passarinhos. Ora cortava as unhas do pé, ora chorava. Nos melhores dias, queria apenas ver o tempo passar. Então almoçava, mesmo sem fome, dava um ou dois telefonemas e sentava diante da televisão. Eu gostava muito dos filmes de comédia, naquela época.
Às vezes alguém batia à porta. Geralmente era um estudante, com uma pastinha na mão. Pareciam tímidos mas, por Deus, era ou não era uma ousadia bater à casa de outra pessoa, uma desconhecida, para entregar contos, poesias e romances não solicitados? Até porque cada história _boa história_ desnuda quem a conta. E parecia que todos os dias batia à minha porta alguém disposto a abrir o roupão, mostrar os seios, ou o pau, e me perguntar "E aí, o que você acha?". Por Deus, eu não estou interessada em sexo no momento.
E batia a porta na cara deles. Educadamente.
E enchia as gavetas da escrivaninha.
A faxineira é que, às vezes, descansava a vassoura para ler algum. Da varanda, eu ouvia seu riso e um ou outro comentário: "Sem chance! Até eu escrevo melhor que esse aqui".
Eu ria também, ao lado dos passarinhos. E eles bicavam alguma frutinha. E as minhas unhas cresciam. Era assim.
Mas um dia flagrei a faxineira chorando, com um desses manuscritos na mão. À noite, abri a gaveta.
Reconheci a letra daquele desconhecido. Parecia muito com a minha. "Talvez você encontre tempo, um dia, para ler", ele disse, com sua voz fraca, enquanto eu me surpreendia com aquela coincidência. Guardei na gaveta e esqueci.
Não posso dizer que tenha chorado. E encontrei alguns erros gramaticais que, honestamente, eram primários. Mas precisei reler e reler e reler aquelas doze páginas até amanhecer. Quando os passarinhos começaram a piar, respirei aliviada.
Agora está lá. Naquele livro que não tenho coragem de abrir, com meu nome na capa. Na varanda, aguardo ansiosamente pelo dia em que ele virá até a minha porta cobrar o que é seu.

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